155 dias: fantasmas
Relatos anacrônicos de um isolamento auto-imposto.
Faz 155 dias que começou, ao menos aqui. Cinco meses são mais do que suficientes para mudar alguns pontos de vista. Os espectros de normalidade vindos a conta-gotas pelos últimos meses, e por semanas a fio desejados com um fervor quase fanático, não trazem a sensação de conforto esperada; pelo contrário, tornam o contraste da insanidade coletiva que compartilhamos e o que tínhamos por mundo ainda mais forte.
As visitas desses fantasmas do passado, que sentam-se à sala para um chá quando menos se espera, deixaram de ser desesperadoras e passaram a ser intrigantes, estimulantes, e até mesmo agradáveis, embora sempre aterradoras. Sua presença torna ainda mais surreal e difícil enfrentar a pandemia e a onda de ignorância atualmente manifesta em suas mais nocivas formas, nominalmente negacionismo científico e falta de empatia; porém, tornam mais clara a necessidade de mudanças. A sociedade, tal como a conhecíamos, era profundamente falha, disso ninguém com o mínimo de bom senso jamais duvidou. Torna-se clara, apenas, a necessidade por mudanças radicais e imediatas; mudar há muito deixou de ser preferência para tornar-se questão de sobrevivência
O que virá a seguir, assim como era no início desse conturbado período, é incerto. Disso, apenas uma certeza: no cenário otimista, a situação ficará estagnada por meses a fio, no realista, piorará tremendamente. Tenho medo de pensar no pessimista.